Módulo III - CSA Empatia
Emoção e Outros Conceitos
Compreender o significado de emoção e de outros fenômenos associados a ela, é o primeiro passo para se entender o que são competências socioafetivas e sua diferença de outros termos encontrados na literatura. Os movimentos filosófico e científico, sobretudo a partir do século XX, impulsionaram os debates sobre pensamento, conhecimento, comportamento, razão, raciocínio e intelecto. Antes de Darwin, as emoções, então tidas como algo irracional e de regulação do corpo, eram investigadas em nível filosófico. Ao apresentar sua teoria sobre as emoções, Darwin [1] rompeu com a visão filosófica tradicional ao inaugurar a pesquisa científica moderna sobre a natureza das emoções.
Por outro lado, as conquistas tecnológicas favoreceram o desenvolvimento de pesquisas sobre a cognição, permitindo avaliações mais precisas sobre as relações da cognição com a afetividade. Ou seja, a cognição participa dos processos de appraisal (um tipo de avaliação) do evento provocador de um fenômeno afetivo. Assim, é possível analisar as diferenças entre os diversos fenômenos afetivos aplicados para expressar diferentes níveis de afetividade [2].
A terminologia sobre afetividade abarca termos como emoção (primária e secundária), sentimento, estado de ânimo, traço de personalidade, afeto, preferência, atitude, postura afetiva, paixão, etc. Na acepção mais ampla, toda excitação emocional, segundo o Modelo de Scherer [2], é um processo que ocorre nos vários sistemas orgânicos (cardiovascular, respiratório, digestivo, nervoso, sensorial, endócrino, muscular, etc.). Assim, de modo sequencial e paralelo, tão logo ocorra um evento emocional, são disparados processos nos sistemas orgânicos que tratam (i) do processamento cognitivo das informações afetivas (processo de appraisal), (ii) do suporte fisiológico, (iii) da execução de ações, (iv) da comunicação corporal e (v) do sentimento subjetivo.
Além disso, Scherer [2] estabeleceu sete critérios para definir e diferenciar os fenômenos afetivos. São eles: 1) Atenção dispensada pelo indivíduo para o evento emocional (pode ser um fator interno ou externo); 2) Appraisal do evento, ou seja, exame do significado e relevância do objeto, pessoa ou situação, segundo as necessidades, desejos e objetivos do indivíduo; 3) Sincronização dos processos orgânicos para as respostas internas e externas do indivíduo; 4) Rapidez com que o indivíduo se (re)adapta e faz (re)avaliações cognitivas (ou produz novos appraisals); 5) Análise que o indivíduo realiza no impacto das suas ações e de seus desdobramentos; 6) Intensidade emocional resultante; e 7) Tempo de duração do episódio emocional.
A partir desses critérios, Scherer [2] classifica os fenômenos afetivos nos seguintes conjuntos: emoções primárias (básicas, utilitárias ou modais), emoções secundárias (sociais ou estéticas), estados de ânimo (emoções de segundo plano), preferências, atitudes, traços de personalidade e posturas interpessoais (ou estilos afetivos). A cada conjunto ou tipo de fenômeno afetivo, corresponde um grande número de termos linguísticos que, à primeira vista, é comum associar-se ao termo emoção (do latim emovere, significado: “colocar em movimento"; etimologicamente, seu significado compartilha a mesma origem que a da palavra “motor”: aquilo que “põe em movimento” ou “serve para movimentar algo”).
As emoções primárias foram amplamente discutidas por Ekman [3] no que tange às diferenças culturais. Encontradas em qualquer cultura, essas emoções são inatas e, portanto, servem para garantir a sobrevivência. O autor classificou-as em seis categorias: medo, raiva, alegria, tristeza, aversão e surpresa. Já as emoções secundárias são adquiridas ou aprendidas a partir das primárias à medida que se vivencia uma série de situações cotidianas e seus desdobramentos. Por exemplo, no ambiente de aprendizagem, um aluno pode se deparar com sentimentos adversos (decepções, frustrações, sentimentos de culpa e vergonha, ciúme, inveja, etc. oriundos dos termos primários medo, medo, raiva, tristeza e aversão) ou positivos (entusiasmo, interesse, orgulho, etc. resultantes das emoções básicas alegria e surpresa), dependentes dos eventos disparadores (internos ou externos) e das crenças e desejos para atingir os objetivos.
Quase sempre, o emprego do termo “emoção” relaciona-se tanto às emoções primárias quanto às secundárias. A rigor, contudo, as primárias são as que se manifestam de modo espontâneo e súbito, sendo caracterizadas por sua alta intensidade. Já as secundárias se fazem sentir por mais tempo, caracterizando-se por reações bem marcadas.
Por sua vez, Damásio [4] propõe a noção das emoções de segundo plano, em que outros autores as associam a estados de ânimo. Essas emoções, originadas a partir das primárias e secundárias, são de caráter ondulatório e difuso. Acompanham o sujeito por um período bem maior do que as emoções secundárias, muitas vezes fazendo-se notar no comportamento não-verbal. Tanto as primárias quanto as secundárias e as de segundo plano afetam o processo cognitivo. Porêm, as de segundo plano, aqui tratadas como estados de ânimo, são as que mais influenciam na tomada de decisão.
Rosenberg [5] explica que existe uma relação de composição entre emoções, estados de ânimo e traços de personalidade. A autora considera as emoções como a unidade mais básica dos fenômenos afetivos; os estados de ânimo são cultivados por emoções (reais ou imaginárias); e os traços de personalidade fomentam os estados de ânimo e as emoções. As emoções influenciam os estados de ânimo e estes podem influenciar a construção ou a modificação dos traços de personalidade. Os três fenômenos afetivos podem ser explicados a partir de uma estrutura hierárquica, como mostrado na figura abaixo.
Fonte: Adaptado de Rosenberg [5].
Assim, ao se levar em conta o critério duração, os traços de personalidade são os mais persistentes entre os três fenômenos. Exceto havendo alguma mudança brusca da conduta (ocasionada por movimentos psicológicos, trauma cerebral, uso de drogas, instabilidade neuroquímica ou de neurotransmissores, etc.), os traços de personalidade tendem a ser razoavelmente estáveis. Os estados de ânimo, por sua vez, persistem por horas ou dias. Enquanto que uma emoção acontece num espaço de tempo mais breve.
Em suma, a emoção é desencadeada a partir de uma situação significativa, de conteúdo cognitivo preciso, que compreende uma avaliação hedonista pelo indivíduo. O grau de intensidade de uma emoção é variável e dependente do processo de appraisal. Ela se expressa num espaço de tempo breve (segundos ou minutos), influi no comportamento e dirige o curso de uma ação [6] [2].
O estado de ânimo é um episódio difuso, sem causa aparente, que pode emergir de processos mal definidos ou desconhecidos e, por esta razão, de escasso conteúdo cognitivo (p. ex., “sinto-me bem” ou “sinto-me mal”). Caracteriza-se por baixa intensidade e longo decurso (horas ou dias). Repercute na cognição ao dirigir as reflexões e a tomada de decisão [5][2]. As emoções repercutem na ação imediata, enquanto que os estados de ânimo influenciam no desenvolvimento cognitivo.
Já os traços de personalidade são padrões através dos quais o indivíduo percebe a realidade e conduz suas relações (intra e interpessoais). Normalmente, são determinados através de fatores (ou dimensões), que denotam a especificidade de um indivíduo, identificados através da aplicação de testes psicométricos.
[1] DARWIN, C. (2000) A expressão das emoções no homem e nos animais. GARCIA, L. S. L. (Trad.) São Paulo: Cia das Letras.
[2] SCHERER, K. (2005) What are emotions? And how can they be measured? Social Science Information, v. 44, n. 4, p.695–729.
[3] EKMAN, P. (1999) Basic Emotions. In: DALGLEISH, T.; POWER, T. (Eds.). The Handbook of Cognition and Emotion. Sussex, U.K.: John Wiley & Sons. p. 45-60.
[4] DAMÁSIO, A. (1996) O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. VICENTE, D.; SEGURADO, G (Trad.). São Paulo: Cia das Letras.
[5] ROSENBERG, E. L. (1998) Levels of analysis and the organization of affect. Review of General Psychology, v. 2, n. 3, p. 247-270.
[6] REEVE, J. (2006) Motivação e emoção. PONTES, L. A. F.; MACHADO, S. (Trads). Rio de Janeiro, RJ: LTC.