Planejando Estrategicamente a Educação e a Aprendizagem a
Distância
Luís Alberto Guadagnin*,
Mary da Rocha Biancamano**,
Sheyla Costa Rodrigues***
Resumo. O artigo se propõe a
contribuir para o processo de organização e implementação de cursos a
distância, desenvolvendo teia conceitual que relaciona planejamento
estratégico, características da EAD e distância transacional. A otimização dos
resultados a serem alcançados pela EAD demanda o planejamento da configuração
de recursos e estratégias mais adequadas para cada curso, consideradas as
especificidades do público-alvo, do tema e do estágio atual de desenvolvimento
tecnológico das ferramentas de EAD e dos recursos instrucionais multimídia.
Palavras-chave: educação à
distância, planejamento estratégico, distância transacional.
Abstract. This
article intends to contribuite to organize and to implement a system of
Distance Learning, developing a conceptual web between the strategic planning
and the transacted distance. The improvement of the results in Distance
Learning requires to planning and deciding in detail about the resources and
strategies more adapted to each course proposed, considering a specific public,
a specific subject and the stage of development of tecnology and multimedia in
Distance Learning.
Keywords:
distance learning, strategic planning, transacted distance.
1.
INTRODUÇÃO
Organizar, implementar e administrar processos de aprendizagem a distância implica na avaliação prévia das alternativas de estratégias a adotar. Na educação desenvolvida por meio de cursos presenciais aloca-se um espaço físico para funcionar como sala de aula, estipulam-se horários fixos para as atividades de ensino; definem-se datas para início e término do curso; há a proximidade física professor-alunos. Diferentemente, na Educação a Distância mediada por computador não se fazem presentes tais características. Ao invés disso, há necessidade de: adequada preparação de recursos instrucionais multimídia, construção de ambiente virtual, seleção de recursos de interatividade, prospecção remota do perfil e das expectativas dos alunos, definição dos papéis a serem exercidos por professores e tutores; elaboração de plano delineando a interação e os desafios a serem propostos. O dinamismo da evolução tecnológica propicia, em ciclos sempre menores, inovações que ampliam e qualificam as ferramentas utilizadas como suporte para a EAD. A disseminação do acesso à Internet permite superar barreiras geográficas e sociais. A aceleração da obsolescência dos saberes amplia a demanda por atualização profissional continuada, insuficiente ou inadequadamente atendida pelos cursos presenciais de escolas e universidades. Neste contexto, a otimização dos resultados a serem alcançados pela EAD demanda o planejamento estratégico da configuração mais adequada para cada curso. O presente artigo se propõe a contribuir no processo de planejamento de cursos a distância, desenvolvendo teia conceitual que relaciona planejamento estratégico e distância transacional.
O ensino à distância passa a ser concebido como Educação a Distância e, conforme NUNES (1998), como uma das maneiras de atender, com grande perspectiva de eficiência, eficácia e qualidade, aos anseios de universalização do ensino e, também, como meio apropriado à permanente atualização dos conhecimentos gerados de forma cada vez mais célere pela ciência e cultura humana. Para Maturana (1999) a educação a distância permite ampliar o viver democrático ao tratar a todos os indivíduos, como iguais, qualquer que seja sua origem, pois lhes oferece um espaço reflexivo que permite a “co-inspiração” em um projeto comum. Para ele, a EAD inicialmente “oculta” as diferenças que nos separam segundo juízos culturais a que pertencemos, porém, essas logo se dissipam ao criar um espaço reflexivo comum, no qual a linguagem e o emocionar também são comuns.
Hoje a Educação a Distância viabiliza a democratização do ensino, como meio estratégico de fornecer treinamentos nas empresas, educação formal e de ser um mecanismo facilitador da educação continuada. Mesmo assim, a EAD ainda é alvo de muitas discussões, por tratar-se de uma modalidade que torna o aluno autônomo e gerenciador do seu próprio estudo. Estas características são as mais discutidas em função da herança de uma educação tradicional que garantia a presença do professor como indispensável "fisicamente", no processo de aprendizagem do aluno. A presença das tecnologias e a mediação do tutor na EAD, ajudam a encurtar as distâncias, possibilitando contatos e amenizando a carência do lado afetivo entre alunos e professores. A tecnologia não substitui o professor, mas possibilita a comunicação e a solução de problemas que possam surgir durante o processo. A exigência de formação continuada passa de direito a um dever da sociedade e do estado, provendo oportunidades tanto para atender as necessidades do sistema econômico, quanto para oferecer ao indivíduo oportunidade de desenvolver competências como trabalhador e cidadão, capaz de viver na sociedade de incertezas do século XXI (Belloni, 2001).
Pensar a EAD como potencializadora da aprendizagem poderá ser um caminho possível para pensar novas formas de educação, nas quais a construção do conhecimento seja realizada de forma compartilhada e coletiva, levando a um processo de cooperação e instituindo, assim, novas pautas de convivência. Para transformar a potencialidade da EAD em realidade efetiva, há que se planejar estrategicamente os cursos a distância.
2.
PLANEJANDO
ESTRATEGICAMENTE...
O rompimento com a idéia tradicional de trabalho como dever e obrigação, substituído esse por um novo “fazer/viver” em que as atividades se mesclariam em lazer, jogos, estudo e tarefas, num “ócio criativo” (De Masi, 2000), adequa-se também à educação no mundo do século XXI. E esse processo torna-se viável por meio da utilização da tecnologia digital em suas múltiplas dimensões. Várias são as propostas de ambientes educacionais disponíveis na rede e múltiplos os desafios que se apresentam, uma vez existente o potencial da tecnologia telemática de ultrapassagem de limites, rompimento de barreiras temporais, espaciais e estruturais, em que se criam, manipulam e transformam informações construindo conhecimento. Explorar as possibilidades do espaço virtual onde pessoas pesquisam, trocam experiências, mudam comportamento, deveria implicar a exploração do ciberespaço pelo aprendiz, em seus diferentes planos.
A efetividade e eficácia de um programa de educação a distância deve considerar o contexto social em que se insere. Em síntese, no que pertine à realidade brasileira significa ter presente: dimensões continentais, necessidade de formação e aperfeiçoamento profissionais insuficiente ou inadequadamente atendidas pelos cursos presenciais, escassez de recursos financeiros e humanos. A gravidade dos problemas sociais, denotada por uma das piores distribuições da renda, imprime premência a ações inovadoras no campo educacional; entretanto, a crise fiscal sinaliza com retração do aporte de recursos públicos na área social. Destarte, faz-se necessário planejar estrategicamente cada proposta de curso a distância, de forma a promover o alinhamento dos esforços de cada colaborador e de cada estudante no processo de construção de conhecimentos mediado pelo computador. A tomada de consciência em relação à missão institucional da entidade promotora do curso e o mapeamento prévio e participativo dos recursos humanos, financeiros, e tecnológicos disponíveis contribuirão para que se estabeleça uma visão clara sobre a intensidade do diálogo a ser perseguida no curso, o nível de estruturação a adotar, conciliando-os com o respeito à autonomia dos discentes, sujeitos e agentes de sua própria aprendizagem.
O planejamento estratégico contribui para tal desiderato, por corresponder ao conjunto de medidas a serem tomadas para mudança do presente. Compreende um processo contínuo de ações inter-relacionadas e interdependentes, isto é, o planejamento não está relacionado somente a decisões futuras, mas estreitamente ligado às implicações futuras de decisões hoje tomadas, como já dizia Drucker (1962). De forma esquemática, conforme se vê no fluxograma que segue, são três os passos fundamentais para qualquer planejamento estratégico:
Figura 1: Fluxograma do planejamento estratégico da EAD
No planejamento estratégico, busca-se explicar e quantificar as metas definidas, em forma numérica, de forma clara e objetiva. Com base nesses critérios, avaliam-se as condições externas e internas, onde se salienta o conjunto de previsões feitas a respeito de condições futuras no ambiente externo, uma vez que, caso não se possa controlá-lo, a incapacidade para prever significa a incapacidade de planejar, donde prever e preparar são palavras-chaves nesse momento.
Cumpre refletir sobre alguns ditos disseminados pela sabedoria popular: pessoas que puxam uma mesma corda em direções opostas cansam e não vão a lugar algum; para quem não escolhe a que porto pretende chegar, é indiferente a direção dos ventos; a ausência de definição prévia e clara dos resultados possíveis ou desejáveis, “protege” contra a crítica na meta-avaliação. A implementação de um abrangente sistema de educação a distância em uma instituição, não poderia estar a cargo apenas dos docentes: é fundamental engajar em todas etapas os alunos, os técnicos, a associação de pais, enfim, a comunidade escolar ampliada, trabalhando em conjunto para alcançar os objetivos de todo o grupo para aquele projeto. Há que se constituir um clima favorável ao comprometimento, propiciando satisfação e harmonia entre os participantes. Existem muitos modelos teóricos de planejamento, sendo que a maior parte deles preconiza a importância de definir claramente: a missão; as metas (mensuráveis); a identificação dos processos críticos e seu entendimento (diagnóstico); os indicadores de resultados; a identificação das atividades-chave e seus indicadores (instrumentos prescritivos e quantitativos); implementação; controle e avaliação. Com essas etapas identificadas e em implantação, estabelece-se uma rotina de feedback para melhoria contínua, para estabelecimento de novas metas e ajustes nas estratégias. No diagnóstico, cuida-se da análise da realidade externa e interna da Instituição: Onde está? Como está? Quem é? Assim, identifica-se a sua Visão Institucional, que orientará a formulação dos planos e projetos. Identificam-se também as ameaças e oportunidades do ambiente e as melhores maneiras de evitar as e usufruir das situações em um ambiente direto (que pode ser medido) e indireto (que não pode ser medido). Da mesma forma, analisam-se os pontos fortes, fracos e neutros da Instituição. A segunda etapa consiste na definição da atuação do serviço, dos propósitos, da Missão da Instituição, explicitando os setores de atuação dentro do ambiente educacional e social. A terceira etapa diz respeito, aos Instrumentos Prescritivos para responder questões como: quem seremos, aonde iremos? Nas respostas, estabelecem-se objetivos, desafios e metas, cruzando fatores internos e externos e interação com o cenário. Também compreende os Instrumentos Quantitativos para projeção econômico-financeira do fluxo de recursos a investir e resultante dos planos de ação e projetos. Analisam-se os recursos necessários e expectativas de retorno para atingir os objetivos, desafios e metas. Esse planejamento orçamentário consolida os aspectos de realizações da organização, quanto a receitas, despesas e investimentos.
Instrumentos de Planejamento |
|
Objetivo |
alvo a ser atingido, para onde dirigir os esforços |
Desafio |
realização continuamente perseguida com prazo estabelecido |
Metas |
etapas a serem cumpridas, expressas em valores numéricos, com prazos para atingir desafios e objetivos |
Projeto |
trabalho executado com responsabilidades de execução, resultados esperados com quantificação de benefícios e prazos de execução preestabelecidos, considerando recursos humanos, financeiros, materiais e de equipamentos, bem como áreas envolvidas necessárias ao desenvolvimento |
Programa |
conjunto de projetos homogêneos quanto ao seu objetivo maior |
Plano de Ação |
conjunto das partes comuns dos diversos projetos quanto ao assunto que está sendo tratado |
Figura 2: Instrumentos de Planejamento
A quarta etapa – Controle e Avaliação – perquire sobre como se está indo em direção ao alcance do objetivo? Assim, a ação necessária para assegurar a realização de desafios, metas e projetos estabelecidos por meio de processos de: avaliação desempenho; comparação entre desempenho real com objetivo; análise dos desvios; ação corretiva; acompanhamento da ação corretiva; adição de informação para novos ciclos de atividades. Para acompanhamento do desempenho do sistema, são estabelecidos Indicadores, que correspondem às características importantes determinadas pelas partes interessadas: alunos professores, comunidade. As medidas de desempenho são sinais vitais para qualquer atividade educacional, informando o que se está fazendo, como estão-se saindo os responsáveis por cada etapa do projeto e se estão atuando como parte de um todo. Um dos instrumentos mais simples de planejamento é a tabela que especifica os dados do projeto, utilizando respostas a sete perguntas:
O quê? – qual o objeto do projeto
Quem? – quais os responsáveis pela execução do objeto do projeto
Quando? – quais os prazos do objeto do projeto
Onde? – em que lugar/área será realizado o objeto do projeto
Por quê? – qual a justificativa para o objeto do projeto
Como? – qual o método/procedimento utilizado
Quanto custa? – qual a despesa orçada
1.
DELINEANDO A
DISTÂNCIA TRANSACIONAL...
Desde a Grécia antiga educação envolve
proximidade física de docentes e discentes. A tendência para estabelecer
dicotomias, reforçada pela hegemonia do modelo cartesiano-mecanicista que
imperou do século XVIII a meados do século XX, quando ocorreu a universalização
do acesso à escola, consagrou a proximidade física como requisito para a
aprendizagem e, por outro lado, a distância
como um déficit a ser superado. As primeiras tentativas para estabelecer
princípios didáticos específicos para a educação a distância, mesmo nos modelos
baseados no ensino por correspondência, privilegiaram a busca de meios e
caminhos para “superar, reduzir, amenizar ou até mesmo anular a distância
física” (Peters, 2001, p. 47). Diferenciando distância física de distância comunicativa
ou psíquica, Michael Moore (1993, p.
22) introduz o construto teórico de distância
transacional. O construto é uma construção lógica de um conjunto de
propriedades aplicáveis a elementos reais. Possui um significado construído
intencionalmente a partir de um marco teórico, devendo ser definido de tal
forma que permita ser delimitado, traduzido em proposições particulares
observáveis e mensuráveis. A elaboração do construto consiste em (Quivy &
Campenhoudt, 1998, p. 123): a)“determinar as dimensões que o constituem,
através das quais dá conta do real”;
b)precisar os indicadores, que são “manifestações objetivamente
observáveis e mensuráveis das dimensões do conceito”. Elabora-se, no quadro que segue, o construto teórico de distância
transacional.
Construto
teórico: Distância Transacional |
||
Dimensões
|
Atributos
extremos
|
|
Diálogo |
Docentes e discentes não mantém qualquer intercomunicação. |
Diálogos freqüentes, podendo
expressar-se os pré-conhecimentos, interesses e desejos de cada estudante,
influenciando no ritmo e no rumo do curso. |
Estrutura
|
Ensino pré-programado em todos os detalhes e prescrito
compulsoriamente. |
Ensino customizado, valorizando
a experiência e a expectativa de cada estudante e atendendo sua necessidade
específica. |
Autonomia |
Etapas e atividades do ensino determinados por estruturação e
diálogo; controle da aprendizagem a cargo de terceiros. |
Os próprios estudantes
reconhecem suas necessidades de estudo, formulam objetivos, selecionam
conteúdos, projetam estratégias de estudo, arranjam materiais e meios
didáticos, identificam fontes humanas e materiais adicionais e fazem uso
delas; eles próprios organizam, dirigem, controlam e avaliam o processo da
aprendizagem, não sendo limitados nem por diálogos e nem por estruturas
preestabelecidas. |
Figura 3: Construto teórico da distância transacional.
Moore (1993) destaca que o desafio não
consiste em suprimir a distância transacional, mas em implementá-la na dosagem
adequada, em razão das características pessoais dos participantes, dos temas e
objetivos propostos, e dos meios disponíveis. Cada curso requer a implementação
de distância transacional específica, a ser obtida pela seleção de técnicas e
estratégias que propiciem a combinação adequada das três dimensões que a
definem: estrutura, diálogo e autonomia. Peters (2001, p. 71) realça a
importância que o conjunto diálogo,
estrutura e autonomia tem para a EAD e afirma que o diálogo didático, o
estudo tecnológico pedagogicamente estruturado e o estudo autônomo não
preponderam na prática do ensino superior.
3.1 Diálogo
Moore (1993, p. 24) confere primazia ao
diálogo na estruturação do conceito de distância transacional. A aprendizagem
dialogal tem papel central na pedagogia humanista, que o preconiza sem
estruturas e sem fim predeterminado, exigindo parceria, respeito, calor humano, consideração, compreensão empática,
sinceridade e autenticidade:
Um
diálogo é direcionado, construtivo e é apreciado pelos participantes. Cada uma
das partes presta respeitosa e interessada atenção ao que o outro tem a dizer.
Cada uma das partes contribui com algo para seu desenvolvimento e se refere às
contribuições do outro partido. Podem ocorrer interações negativas e neutras. O
termo diálogo, no entanto, sempre se
reporta a interações positivas. Dá-se importância a uma solução conjunta do
problema discutido, desejando chegar a uma compreensão mais profunda dos
estudantes.
O diálogo ativa e aprofunda a reflexão sobre
os temas em estudo. Ao confrontar
opiniões divergentes, assumir posicionamentos, externar dúvidas, questionar e
criticar, o estudante envolve-se com o conteúdo. Diversamente, o método expositivo-entregador (Dolch, 1952, apud
Petters, 2001, p. 79) propicia, no máximo uma aprendizagem no sentido de apropriar-se, de guardar na memória e de
reproduzir o saber quando desafiado,
não contribuindo para desenvolver a capacidade
de um pensar crítico autônomo, a capacidade de aplicar esse pensamento crítico, de experimentar a autonomia racional daí decorrente e de afirmar-se nisso. “É necessário que toda
percepção seja uma tradução reconstrutora realizada pelo cérebro, a partir de
terminais sensoriais, e que nenhum conhecimento possa dispensar interpretação”
(Morin, 2002, p. 52). “Não tem sentido o mero repasse copiado”, sustenta Demo
(2001, p. 130). “Contato pedagógico próprio da universidade é aquele mediado
pela produção/reconstrução de conhecimento”. A utilização de modernas mídias
para a mera exposição dos conteúdos, não ameniza e, ao contrário, pode agravar
as conseqüências deletérias da ausência de produção científica própria, da
falta de ênfase no aprender a aprender e da inexistência ou insuficiência do
diálogo.
3.2 Estrutura
A estruturação pormenorizada do processo de
ensino-aprendizagem é designada por Moore (1993, p. 26) como estrutura, exemplificando-a, no limite,
com um filme didático pela televisão, no qual cada termo, cada movimento do
docente, cada momento e cada atividade estão predeterminados. Escasso é o
espaço que resta ao estudante para trilhar rumo didático diverso, adequá-lo às
suas necessidades ou seguir inspirações espontâneas (Peters, 2001, p. 87).
Adota-se o modelo behaviorista, baseado em premissas positivistas
teórico-científicas e no emprego de procedimentos empíricos. A tecnologia do
ensino respalda a fixação dos objetivos de ensino e aprendizagem, a escolha dos
conteúdos e das estratégias, a construção de testes e o controle do sucesso
objetivado.
Dentre as desvantagens dos cursos
a distância excessivamente estruturados, Peters (2001, 89-92) destaca: ênfase
no ensino em detrimento da participação dos estudantes, “escolarizando” de
forma tendenciosa a aprendizagem; exclusão de objetivos de aprendizagem que não
possam ser objeto de avaliação padronizada; escolha do caminho mais curto em
direção ao alvo, inibindo a análise dos fenômenos estudados a partir de
diferentes visões auto-escolhidas; proteção artificial contra as experiências
do bloqueio e do fracasso; redução do complexo processo de ensino e
aprendizagem a um conjunto unidimensional e linear de funções; dificulta a
aprendizagem por meio de participação, reflexão e metacognição; são
expressamente centrados no professor. A difusão de cursos estruturados
assentou-se nas seguintes razões:
a)
crença firmada nos anos 70 e 80 de que os procedimentos das ciências
naturais e da área tecnológica poderiam ser replicados com igual êxito nas
tarefas pedagógicas e didáticas: o ensino deveria ser planejado racionalmente,
desenvolvido sistemicamente, melhorado com base em experiências, controlado
para coibir lacunas e mensurado como algo produzido industrialmente;
b)
intenção de promover oferta de ensino de qualidade elevada, pela
alocação de especialistas renomados na elaboração do material didático;
c)
possibilidade de oferecer mais
formação para mais pessoas.
Subsidiando a tomada de decisão entre
privilegiar o diálogo em detrimento da estrutura, ou a estruturação em prejuízo
do diálogo, Peters (2001, p. 92) destaca que didaticamente é mais desejável a
concepção do diálogo. Entretanto, apesar da coisificação do ensino na forma de
sistemas de ensino minuciosamente planejados, construídos, experimentados e
avaliados, a estruturação propicia a disseminação em massa e apresenta longa
aprovação prática em grandes universidades a distância ou open universities.
3.3
Autonomia
Conforme Peters (2001, 93-104), Moore
delimita autonomia à autodeterminação dos
estudantes, destacando que consistiria em um comportamento natural para
adultos. Peters, amplia a abrangência do conceito de autonomia, destacando as
dimensões a seguir sintetizadas.
Construto
teórico: Autonomia |
|
Dimensões
|
Atributos
|
Filosófica
|
Immanuel Kant queria libertar o ser humano de sua menoridade por culpa própria,
levando-o a fazer uso de sua razão sem
ajuda alheia. Para ele, a moralização
tinha o primado na educação. Essa, porém,
se quiser ativar a liberdade moral do educando autônomo, não pode ser
prescrevedora e determinadora de fora, mas, sim, somente despertadora e
doadora (Böhm, 1994, 365). Uma de suas sentenças que, quanto ao sentido,
pode ser aplicada diretamente ao estudo autônomo é a seguinte: Quem educa pratica ações, cujo alvo é
tornar-se supérfluo. Quem está sendo educado tem que aprender a fazer ele
mesmo o que até então outros fizeram por ele. |
Pedagógica |
Os seres humanos não são mais objetos da condução, influxo, ascendência e coerção educacionais,
mas, sim, sujeitos de sua própria educação. O ser humano é obra dele mesmo. |
Didática
|
Estudantes são autônomos quando assumem e executam as
funções dos docentes: eles mesmos reconhecem
suas necessidades de estudo, formulam objetivos para o estudo, selecionam
conteúdos, projetam estratégias de estudo, arranjam materiais e meios
didáticos, identificam fontes humanas e materiais adicionais e fazem uso
delas, bem como organizam, dirigem, controlam e avaliam o processo da
aprendizagem. |
Psicológica |
Pode-se considerar estudantes como autônomos
somente quando são participantes metacognitiva,
motivacional e comportamentalmente ativos de seus próprios processos de
aprendizagem; o estudo autônomo é componente de uma qualidade tipicamente
humana: a ânsia de entender e regular a si mesmo. |
Figura 4: Construto teórico de autonomia
Peters (2001, p. 97) realça: a proposta do
estudo autônomo é conhecida há muito na teoria e na prática, está teoricamente
elaborada e é praticada; em contraposição, os tradicionais procedimentos
didáticos expositivos referem-se a um estágio passado da sociedade e são
grosseiramente inadequados:
Em relação às universidades com presença isso vale especialmente para as preleções, em universidades a distância em relação aos cursos de ensino a distância preparados em detalhes. O estudo autônomo, ao contrário, parece corresponder às tendências do tempo e estar aberto para o futuro.
Os estudantes que buscam cursos a
distância para atualizar, qualificar e/ou complementar sua formação podem
apresentar certas especificidades: maior experiência de vida e profissional;
estudo em tempo parcial, paralelo a atividades laborais, sociais e familiares;
busca de ascensão social; qualificação e idade média superior a dos estudantes
de cursos regulares presenciais (Peters, 2001, 37-38).
2.
CONCLUINDO...
A implementação exitosa de cursos a
distância, estrategicamente planejados, requer o abandono de práticas e crenças
que se consolidaram no modelo expositivo-entregador, a fim de ensejar a
otimização dos resultados propiciados pela flexibilidade da EAD. Diante da
constatação de que é mais fácil defender novas práticas do que abandonar as
antigas, ao concluir o planejamento estratégico da EAD, delineando a distância
transacional adequada para cada público, tema e contexto, convém verificar se
no plano e no curso encontram-se respostas aos seguintes questionamentos,
formulados por Peters (2001, p. 85-86):
Onde está a situação social na qual os
telestudantes adquirem competência comunicativa por meio da interação com
outros sujeitos?
Onde podem eles assumir conceitos de valores
e modelos de comportamento acadêmico?
Onde podem exercitar distância em relação aos
papéis, de modo reflexivo e interpretativo?
Onde podem aprender empatia com os parceiros
de diálogo?
Onde os estudantes encontram a atmosfera da
compreensão empática e do respeito?
Onde ocorrem comunicações simétricas entre
docentes e discentes?
Como está assegurado o fortalecimento dos
elementos interativos e comunicativos?
Certamente, respostas a
esses questionamentos não são garantia de êxito, mas, poderão ser balizadoras
para atuações mais críticas e autônomas dos planejadores de ações envolvendo
EAD .
Referências Bibliográficas:
BELLONI, M. L. Educação a
distância. 2.ed. Campinas: Autores Associados, 2001.
DE MASI, D. O futuro do
trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Rio de Janeiro : José
Olympio; Brasília, DF : Ed. Da
UnB, 1999.
KEEGAN, D. Foundations of distance education. 2.ed.
Londres: Routledge, 1991.
NUNES, I. B. Noções de
educação a distância. Disponível em:
<http://www.intelecto.net/ead/ivonio1.html> Acesso em: 22 de jul. 2003.
MATURANA, H. Transformación
en la Convivencia. Santiago : Dolmen Ediciones,1999.
PALLOFF, R. M.; PRATT, K. Construindo comunidades
de aprendizagem no ciberespaço: estratégias eficientes para a sala de aula
on-line. Porto Alegre: Artmed, 2002.
PETERS, O. Didática do ensino a distância.
São Leopoldo : UNISINOS, 2001.
QUIVY, R.; CAMPENHOUDT, L.V. Manual de
investigação em ciências sociais. 2.ed. Lisboa : Gradiva, 1998.
* Doutorando no PGIE/UFRGS, Mestre em Administração, Professor do NAVI/EA/UFRGS e da FACE/PUCRS, Fiscal de Tributos Estaduais da Secretaria da Fazenda do RS (luisguadagnin@pucrs.br).
** Doutoranda no PGIE/UFRGS, Mestre em
Administração, Professora do NAVI/EA/UFRGS, servidora do Tribunal de Justiça do
RS (mary@tj.rs.gov.br).