REDES, COMUNICAÇÃO E CULTURA

A existência de um código cultural comum nas organizações em rede foi destacada por Castells (1999): "é um código de muitas culturas, valores e projetos que passam pelas mentes e informam as estratégias dos vários participantes das redes, mudando no mesmo ritmo que os membros da rede e seguindo a transformação organizacional e cultural das unidades da rede". A cultura da organização em rede apresenta peculiaridades:

"É de fato uma cultura, mas uma cultura no efêmero, uma cultura de cada decisão estratégica, uma colcha de retalhos de experiências e interesses, em vez de uma carta de direitos e obrigações. É uma cultura virtual multifacetada, como nas experiências visuais criadas por computadores no espaço cibernético ao reorganizar a realidade. Não é fantasia, é uma força concreta porque informa e põe em prática poderosas decisões econômicas a todo momento no ambiente das redes. [...] Qualquer tentativa de cristalizar a posição na rede leva à obsolescência, visto que se torna muito rígida para a geometria variável requerida pelo novo contexto. O espírito do informacionalismo é a cultura da destruição criativa, acelerada pela velocidade dos circuitos optoeletrônicos que processam seus sinais." (Castells, 1999).

"As redes são o alicerce da economia digital e da Era da Inteligência em Rede" (Tapscott, 1997, p. 15). A capacidade das redes, a redução dos custos dos equipamentos e do armazenamento e transmissão, e a disponibilidade de informações que superam a capacidade de fruição individual, mas possibilitam acesso a bancos de dados de todo o gênero, "favorecem a ampliação da esfera de interesses dos indivíduos não só relativamente à quantidade e à variedade dos gêneros, mas também ao número de possíveis interlocutores, a ponto de prefigurar a constituição de verdadeiras comunidades de interesses" (Vismara, apud De Masi, 1999, p. 220). Como os "grupos de referência" da sociologia das comunicações, existe no núcleo uma instituição que trabalha em favor das comunidades e, integrando-a, um certo número de pessoas que se reportam ao mesmo interesse ou o compartilham. "Toda rede precisa de um clube como um centro de interesses para dar calor humano aos impulsos eletrônicos que governam a sociedade contemporânea. [...] Apenas quando os membros do clube pensam em termos de portfolio, o clube ganha uma nova vida" (Handy, 1995, p. 175). Inose e Pierce (1984) concebem tais comunidades de interesses como fatores de modificação cultural, graças à capacidade potencial para operar nos espaços em que certos condicionamentos políticos, ideológicos ou religiosos tendem a limitar a comunicação.

A comunicação é um dos elementos essenciais do processo de "criação, transmissão e cristalização do universo simbólico de uma organização" (Fleury & Fischer, 1996, p. 24) ou de uma comunidade. O mapeamento dos meios, instrumentos, veículos e das relações entre quem se comunica é fundamental para a apreensão deste universo simbólico. Os símbolos, "cujos significados nos dão a chave de uma cultura e, portanto, de uma comunidade humana", resultam da combinação de configurações culturais, previamente inscritas no inconsciente, com as condições ambientais internas e externas à comunidade (Motta & Caldas, 1997, p. 16). Não apenas raças ou etnias produzem culturas, mas também classes sociais, instituições, organizações e categorias profissionais. A cultura cria "a idéia de comunidade, de orgulho de pertencimento ao grupo exclusivo ou de ‘clube dos raros’. É nesse sentido, do institucional, da ordem, da lei, da marcação territorial e da definição de um ‘mundo’, que podemos dizer ser a cultura um instrumento político" (Motta & Caldas, 1997, p. 300). Quanto maior é o grau de coerência entre o que a organização/comunidade faz e o que ela diz de si mesma, maior é o envolvimento afetivo e a canalização das energias dos indivíduos para realizar a missão organizacional.

A motivação para fazer e para ser, na comunidade, é dada por três sentidos apontados por Handy (1995, p. 191-214):

sentido de continuidade, porque sem ele não há vantagem em sacrificar o presente em função do futuro;

sentido de ligação, porque se não pertencemos a nada, é difícil encontrar a razão para qualquer esforço; e

sentido de direção, a busca de uma causa que seja "uma finalidade além de si mesma", como preconizado por Santo Agostinho.

O compromisso pessoal dos funcionários e sua identificação com a organização e com sua missão servem de combustível para a inovação. "A essência da inovação é recriar o mundo de acordo com uma perspectiva específica ou ideal" (Nonaka & Takeuchi, 1997, p. 10). Outro requisito para a constante renovação da cultura é a autonomia:

"indivíduos autônomos atuam como parte da estrutura holográfica, na qual o todo e cada parte compartilham as mesmas informações. Idéias originais emanam de indivíduos autônomos, difundem-se dentro da equipe, transformando-se então em idéias organizacionais. [...] Trata-se de um sistema no qual o princípio da ‘especificação crítica mínima’ (Morgan, 1996, p. 102-113) é cumprido como pré-requisito da auto-organização e, conseqüentemente, a autonomia é a mais garantida possível" (Nonaka & Takeuchi, 1997, p. 85-6).

A comunidade que estimula a criação de conhecimento e a mudança renovadora de sua cultura pode ser representada pelo "sistema autopoiético" (Maturana e Varela, 1980, apud Morgan, 1996, p. 241-6), explicado pela seguinte analogia: "Os sistemas orgânicos vivos são compostos de vários órgãos, que, novamente, são formados por inúmeras células. Os relacionamentos entre sistema e órgãos e entre órgão e células não são do tipo dominador-dominado nem do tipo global. Cada unidade, como uma célula autônoma, controla todas as mudanças que ocorrem continuamente dentro de si mesma. Além disso, cada unidade determina suas fronteiras através da auto-reprodução. Essa natureza auto-referencial é a perfeição do sistema autopoiético" (Nonaka & Takeuchi, 1997, p. 86).

Ênfase distinta, privilegiando a adaptabilidade ao ambiente externo, caracteriza o estudo de Kotter & Heskett (1994, p. 144): "Culturas corporativas que promovem mudanças proveitosas" prestam atenção a mudanças no contexto, mantêm-se em linha com a realidade ambiental e "adotam um sistema de valores que salienta a satisfação das necessidades legítimas de todos" os membros. Diferem das "culturas inadaptáveis", caracterizadas por "certa arrogância, mentalidade tacanha e centralização burocrática", apoiadas em sistemas de valores que se importam mais com o interesse próprio, ignoram mudanças contextuais relevantes e em que "os gerentes dificultam para todos, em especial para quem está abaixo deles na hierarquia, a implementação de novas e melhores estratégias e práticas" (op. cit., p. 144). A principal mudança ambiental a afetar a cultura hoje, com diferentes reflexos em razão do grau de adaptabilidade da organização, é a interligação em rede intra-organizacional e interorganizacional. Kao (1997, p. 133) afirma que "a cultura da Internet é uma cultura de improvisação. Não é hierárquica nem centralizada. Suas formas e convenções são puramente ocasionais, oportunistas, experimentais. Como o jazz, é profundamente democrática e igualitária". Morgan (1996, p. 88) vislumbra a possibilidade de organizações tornarem-se sinônimo de sistemas de informação. "A infra-estrutura de microprocessadores cria a possibilidade de organizar sem ser necessário uma organização em termos físicos. Essa nova tecnologia cria a capacidade de descentralizar", com membros interagindo através de microcomputadores pessoais e recursos audiovisuais para criar uma rede de trocas e atividades inter-relacionadas, ligadas em bases contínuas por redes de informação on line. Conforme Castells (1999), ao abordar a relação entre tecnologia e sociedade, "o resultado final depende de um complexo padrão de interação dialética, uma vez que muitos fatores, inclusive criatividade e iniciativa empreendedora, intervêm no processo de descoberta científica, inovação tecnológica e aplicações sociais. Embora não determine a evolução histórica e a transformação social, a tecnologia, ou a sua falta, incorpora a capacidade de transformação das sociedades, bem como os usos que as sociedades, sempre em processo conflituoso, decidem dar a seu potencial tecnológico".