GOVERNANDO E DISCIPLINANDO CORPOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL


Karina da Silva Cézar


“As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas” (MICHEL FOUCAULT).


Este artigo foi estruturado a partir de minhas reflexões sobre as questões de disciplina e governo dos corpos infantis numa Escola Estadual de Porto Alegre quando me defrontei com algumas situações que me inquietaram no que diz respeito aos modos de disciplinamento presentes no discurso da professora titular da classe de nível B.
Algumas práticas refletiam diretamente no comportamento da turma que tinha como característica ser extremamente dependente da figura do adulto na resolução de conflitos e até mesmo em ações simples de seu cotidiano. A partir dessas observações, passei a sentir necessidade de buscar novas formas de lidar com a disciplina em minha prática, refletindo a partir de alguns questionamentos: O que é disciplina na educação infantil? Quais os efeitos dos modos de disciplinamento no comportamento dos alunos? Que tipo de sujeito infantil eu produzo utilizando determinadas práticas desenvolvidas em sala de aula?
Quando se estuda a história da escola ou da pedagogia, observasse que as discussões acerca de questões disciplinares sempre estiveram presentes desde o surgimento das instituições de ensino. Diferentes propostas de escolas foram surgindo ao longo do tempo e rompendo com modelos tradicionais e rígidos de disciplinarização.
As instituições de Educação Infantil também se preocuparam com questões disciplinares. O nascimento dessas instituições esteve relacionado com o surgimento das escolas e do pensamento moderno pedagógico entre os séculos XVI e XVII. Uma nova concepção de infância começa a surgir a partir daí.
As primeiras noções de infância entendiam as crianças como um adulto em miniatura, considerando para a realidade da criança características da vida adulta. Áries (1978), em uma de suas obras nos fala sobre o surgimento do sentimento de infância e sobre o papel da criança na sociedade medieval:
Na Idade Média, no início dos tempos modernos, e por muito tempo ainda nas classes populares, as crianças misturavam-se com os adultos assim que eram consideradas capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas, poucos anos depois de um desmame tardio – ou seja, aproximadamente, aos sete anos de idade. A partir desse momento, ingressavam imediatamente na grande comunidade dos homens, participando com seus amigos jovens ou velhos dos trabalhos e dos jogos de todos os dias (p. 275).
A Modernidade aparece então trazendo uma nova visão do ser criança, dando-lhe mais destaque na sociedade e trazendo preocupações como organização de espaços destinados especificamente para educar as crianças, especialistas que irão tratar de características particulares da infância e dando importância para essa fase na vida do sujeito.
As creches e pré-escolas surgiram nesse contexto, porém muitas teorias dessa época preocupavam-se em descrever as crianças quanto a sua natureza moral, suas inclinações boas ou más (BUJES, 2001, p.14). Essas teorias defendiam idéias de que proporcionar educação seria uma forma de proteger a criança das influências negativas de seu meio e preserva-lhes a inocência. A educação destinada aos pequenos buscava eliminar suas inclinações para a preguiça, a vagabundagem, características relacionadas, sobretudo as crianças pobres.
De qualquer modo, no surgimento das creches e pré-escolas conviveram argumentos que davam importância a uma visão mais otimista de infância e de suas possibilidades, com outros objetivos do tipo corretivo, disciplinar, que viam principalmente nas crianças uma ameaça ao progresso e à ordem social (BUJES, 2001, p. 15).
A questão disciplinar vem sendo estudada por diferentes pensadores os quais abordo a partir de então, buscando esclarecer a origem de algumas práticas mais tradicionais de disciplina.

MODOS DE DISCIPLINAMENTO NAS CONCEPÇÕES DE ROSSEAU E KANT

Durante muito tempo vários intelectuais expuseram suas concepções de disciplina que até hoje perduram em nossos estudos. Discutir a disciplina é sempre uma tarefa difícil, porém necessária para o desenvolvimento dos campos da sociedade. Destaco a seguir as idéias de Rosseau e Kant .
Para Jean-Jacques Rosseau o homem é bom por natureza e a sociedade o corrompe. A educação inicial passa a ser negativa, ou seja, nada deve ser ensinado pela civilização, mas ao contrário, deve-se deixar que a natureza que reside no homem se manifeste. A disciplina segundo o mesmo autor era virtude que já estava no homem, portanto defendia que a educação deveria fornecer a criança oportunidades para o funcionamento das atividades que são naturais em cada fase do desenvolvimento humano, assim como a igualdade e a fraternidade. Acreditava ainda na existência de uma disciplina responsável tendo papel efetivo na formação do indivíduo, e que o mesmo tem a liberdade para realizar seus feitos, porém deve sempre arcar com as conseqüências de seus atos.
Rosseau acreditava que quanto mais fraco o corpo, mais ele comanda; quanto mais forte é melhor ele obedece (ROSSEAU, apud Eby, 1962, p.301). Fala ainda na Educação Negativa; nada façais e nada permiti que se faça. Tomai exatamente o oposto da prática usual, e fareis quase sempre o certo (ROSSEAU, apud EBY, 1962, p.302).
Eby (1962) explicita um pouco mais o que vem a ser a Educação Negativa; de acordo com ele, primeiramente essa lógica resultava do princípio de que a natureza humana é boa e que se desenvolve em virtude de compulsão interior. Rosseau inquietava-se com os maus métodos de motivação e disciplina empregados na época. Desaprovava repreensões, corretivos, ameaças e castigos, bem como recompensas, promessas e prêmios que eram colocados diante das crianças para induzi-las a fazer ou aprender alguma coisa que não lhes despertasse o interesse natural.
A primeira educação, então, deveria ser puramente negativa. Não consiste, absolutamente, em ensinar virtude ou verdade, mas em proteger o coração do vício e a mente do erro. Se puderdes nada fazer e nada permitir que se faça, se puderdes manter vosso pupilo forte e robusto até a idade de doze anos, sem que ele seja capaz de distinguir sua mão direita da esquerda, desde vossas primeiras lições os olhos de seu entendimento estariam abertos a razão (ROSSEAU, apud EBY, 1962, p.303).
Alguns métodos de motivação criticados por Rosseau são ainda comuns na prática de educadores. Embora a lógica comportamentalista, que muito orientou no trabalho com os limites a partir de punições e reforços já há tempo revela sinais de desgaste, assistimos com freqüência a esse tipo de prática nas classes de Educação Infantil.
Rousseau me faz relacionar seu pensamento com o que observei durante as semanas iniciais do estágio. Nela foi possível perceber alguns modos de disciplinamento que a professora utilizava ora de formas de punições ora de reforços para estimular o grupo em alguma atividade. Por exemplo, caso o grupo demonstrasse desinteresse pela proposta que estava sendo realizada, a professora dizia que se terminassem o trabalho, ficariam mais tempo no pátio.
Em situações de conflito entre o grupo, quando percebia dificuldade na resolução, a professora costumava deixar os envolvidos sentados olhando as demais crianças no pátio nos primeiros minutos desse momento, enfatizando que estavam ali para observar como brincam as outras crianças e sempre reforçando que aquilo aconteceria aos demais caso não “se comportassem”.
Ao lembrar das ações da professora, faço relações com o projeto rousseauniano que é o de reconstruir o homem, fazendo-o seguir sua própria natureza, e nisso consiste a felicidade humana. A par deste projeto de reconstrução do homem, encontra-se a idéia de que é preciso reformar a sociedade que, tal como está, é má porque se desnaturalizou. Logo, reformar a sociedade é renaturalizá-la. Uma boa educação, aquela capaz de reformar o homem e a sociedade, é, portanto, uma educação diferente da que se pratica; é uma educação conforme a natureza e o seu alvo é o mesmo da natureza. Desprovidos de tudo desde o nascimento, formam-se os homens pela educação, ou seja, a criança é naturalmente boa e, assim percebe-se que a criança não é um adulto e, portanto, não pode ser tratada como tal.
Ao tratar dos estudos kantianos observo que Kant sofreu influências de Rosseau, contudo embora em alguns aspectos se assemelhasse as concepções desse autor, em outros contrapunha-se fortemente a essas idéias.
Segundo Immannuel Kant, o homem quando nasce não traz consigo os limites necessários para se viver em sociedade, sendo estes adquiridos por meio da educação. Apesar de ser selvagem, de natureza rude como os outros animais, ele precisa do outro, que acaba por impor modos de conduta, conduzindo-o parcialmente ao seu tipo de formação, porque, sobretudo o homem é criação. Ele ao nascer precisa de um projeto de conduta, no entanto o homem é livre, as formas de educá-lo contribuem, mas não definem por completo seu destino.
A disciplina é o que impede ao homem de desviar-se de seu destino, de desviar-se de sua humanidade, através de suas inclinações animais. (...) a disciplina é puramente negativa, porque é o tratamento através do qual se tira do homem sua selvageria; a instrução, pelo contrário, é a parte positiva da educação (KANT, 1996, p. 12).
Kant explicitava que disciplinar é domesticar as vontades, visando a formação do indivíduo e valorizando a razão e a cultura. Para ele, a criança vai a escola para obedecer a uma disciplina mecânica, porém ele defendia a existência dessas instituições uma vez que acreditava que o homem deve ser educado e disciplinado.
Enviam-se em primeiro lugar as crianças à escola não com a intenção de que elas aprendam algo, mas com o fim de que elas se habituem a permanecer tranqüilamente sentadas e a observar pontualmente o que se lhes ordena...  (KANT, apud, XAVIER, 2002, p. 33).
A função emancipadora da educação nessa concepção é elucidar o poder de criação de cada um. Ela deve favorecer a formação para a reflexão e o questionamento. A disciplina deve estar presente desde o nascimento no cuidado com a criança transformando sua animalidade em humanidade.
Quem não tem cultura de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou educação é um selvagem. A falta de disciplina é um mal pior que a falta de cultura, pois esta pode ser remediada mais tarde, ao passo que não se pode abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina (KANT, 1996, p. 16).
Kant nos conduz a refletir sobre a importância da disciplina na formação do homem. Para que ele consiga exercer plenamente sua liberdade, deliberadamente, são necessárias bases sólidas que a sustentem. O sentido da disciplina na educação é a de fornecer subsídios que ratificam a capacidade de criação, para uma possível autonomia do ser humano. Ela trataria do projeto de conduta em sua continua formação, já que o homem não possui características inatas para isso. Assim sendo, a disciplina atua de maneira negativa no que diz respeito a importância dos limites, para que o mesmo se submeta as leis.
 Immannuel Kant (1996) afirma ainda que o homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação (p.15). Em contrapartida ele mesmo admite que se a educação pode pelo ensinamento de alguma coisa, ela não permite definir as disposições naturais, ou seja, o que esta por vir com a educação presente, o homem não atinge plenamente a finalidade de sua existência (p.17). Assim sendo, ele tem a preocupação de não ressaltar apenas o treinamento – disciplina e instrução – estes apenas condicionariam o sujeito, ao que Rosseau denomina a má autoridade da disciplina, que conduz a cega submissão ou a rebelião permanente, mas nunca a liberdade. É preciso educar para a deliberação, pois, a instrução a prudência e a moral devem caminhar em direção aos estágios superiores, como, por exemplo, para a ação deliberada, para o ato político, para o bom uso de sua liberdade e para a busca de sua autonomia. A educação deve favorecer o aperfeiçoamento das gerações futuras. Neste caso, as faltas de disciplina e de instrução tornam o homem maus educadores.
A educação é uma arte, cuja prática necessita ser aperfeiçoada por várias gerações. Cada geração, de posse dos conhecimentos das gerações precedentes está melhor aparelhada para exercer uma educação que desenvolva todas disposições naturais na justa proporção e da conformidade com a finalidade daquelas e, assim, guie toda a humana espécie a seu destino (KANT, 1996, p. 19)
Kant ressalta a importância da escola pública, da formação moral e da valorização das diferenças sociais.
Nas idéias de Kant e Rosseau estão presentes e me parece que também na professora observada, uma concepção de sujeito, um sujeito único e singular, que esta no centro dos processos sociais, alguém que vai atingir a maioridade através da razão, mas que necessita da educação para que tal processo se dê na direção desejada da sua inteira destinação.
Percebe-se nestes preceitos uma preocupação em deixar claro que não basta apenas “modelar” o comportamento do sujeito de acordo com os padrões de seu meio, embora julgue isso também necessário. Contudo, o professor precisa entender que a criança deve ser educada e disciplinada para buscar sua liberdade de ação e sua autonomia, o que seriam a parte positiva da educação.
Refletindo acerca dos exemplos citados anteriormente sobre a prática da professora da classe de nível B, poderíamos talvez esperar que o comportamento das crianças não se modificasse apesar das punições. As crianças provavelmente frustravam-se naquele momento, mas não refletiam sobre os seus atos, não buscavam soluções ou formas de agirem diferente. Observei que quase sempre eram as mesmas crianças que sofriam as punições e que já eram rotuladas na escola como os alunos que iriam ser “problemas” no ano seguinte.

NOVAS CONCEPÇÕES: A OCUPAÇÃO DOS CORPOS PELO PODER SEGUNDO FOUCAULT

O trabalho realizado na classe de nível B que partiu de minhas observações da ação da professora com as crianças me fazem relacionar com os estudos foucaltianos quando ao constatar que houve, durante a época clássica uma descoberta do corpo como objeto e alvo do poder (FOUCAULT, 1984, p.125). Este poder passa pelo corpo, pelo espaço, pela alma das crianças trabalhadas.
 Para dar conta do poder disciplinar, Foucault procurou identificar as formas e procedimentos múltiplos pelos quais se deu esta “ocupação” dos corpos pelo poder. O que o interessará entre outras coisas, será destacar que mecanismos, táticas e dispositivos serão progressivamente utilizados pelo poder na época clássica e como alguns desses mecanismos, com certas transformações permaneceram até os nossos dias, integrando a enorme parafernália do poder que envolve a sociedade contemporânea. Entre estes mecanismos se encontram as disciplinas, isto é, estes métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade (FOUCAULT, 1984, p.126).   
O que observa Foucault é que a partir do fim do século XVII, ao longo do século XVIII e especialmente no início do século XIX, desenvolveu-se e estruturou-se toda uma nova tecnologia de aproveitamento / utilização da força dos corpos. Tal tecnologia se organizará basicamente em torno da disciplina, isto é, o processo técnico unitário pelo qual a força do corpo é com o mínimo de ônus reduzida como força política, e maximizada como força útil (FOUCAULT, 1984, p. 194). Ligada aos imperativos econômicos e políticos de uma nova ordem que se impunha, as disciplinas – técnicas já conhecidas na civilização ocidental, como por exemplo, nos conventos, nas oficinas e nas legiões romanas – passam a ser utilizadas maciçamente. Fábricas, escolas, hospitais, hospícios, prisões, etc., instituições fundamentais ao funcionamento da sociedade industrial capitalista, se estruturam e tem como lógica de funcionamento as técnicas e táticas oriundas deste processo de disciplinarização. Por conseguinte, fica claro que nesta conjuntura se articula uma nova relação entre o poder e os corpos.
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente ao aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto mais útil, e inversamente. Formam-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia – política”; que é também igualmente uma mecânica do poder, está nascendo (...) A disciplina fabrica assim corpos submissos, exercitados, corpos dóceis (FOUCAULT, 1984, p. 127).
Neste momento de sua obra, há o privilégio da análise das técnicas de poder que se centram no corpo; como que o tratando como máquina, adestrando-o, amplificando a sua utilização, aperfeiçoando a extração do trabalho. Neste sentido o que se destaca não são as relações de soberania, mas as relações da disciplina que marcam poder disciplinar como uma nova forma de atuação do poder sobre os corpos.
Para Foucault, a disciplina faz um controle minucioso das ações dos corpos, dissociando o poder dele, fazendo com que a escola prepare para a sujeição através do corpo. Uma disciplina é tanto um campo de estudo quanto um sistema de controle.
Pensar foucaultianamente a disciplinariedade, significa entendê-la tanto como fragmentação, disposição e delimitação de saberes quanto como conjunto de normas e regras atitudinais, na forma de preceitos explícitos e implícitos (VEIGA-NETO,apud, XAVIER, 2003, p. 16).

Foucault chama atenção para algumas práticas que estão presentes ainda hoje no que diz respeito ao controle dos corpos como forma de disciplina. E a organização que passa pelo corpo, passa também pelo espaço a ser utilizado pelas crianças. Se pensarmos na organização das salas de aula, da grande parte das instituições, vamos perceber que, sobretudo o espaço é preenchido por mesas e cadeiras. Estudos diversos sobre organização do espaço na Educação Infantil têm buscado inovações nesse sentido, porém muitos educadores tornam-se resistentes mediante tais propostas.
Reorganizar o espaço de sala de aula foi um desafio durante meu estágio. A professora titular mostrou-se bastante desconfortável com a situação, reforçando sempre que deveria ter cuidado nas modificações, pois poderia gerar ‘desordem na turma’. Era hábito na aula que mesmo nos momentos denominados “livres”, as crianças permanecessem sentadas nas suas classes. Dessa forma tornava-se mais fácil para professora manter a turma em ordem. Além disso, a rotina da turma era composta basicamente de momentos e atividades dirigidas. Observa-se uma preocupação em manter as crianças “ocupadas” o maior tempo possível, governando ao mesmo tempo corpos e mentes.
Mesmo sem concluir estas reflexões onde busquei apoio e inspiração em uma perspectiva foucaultiana, posso dizer que os:
Mecanismos disciplinares de vigilância e controle da criança produzem a infância moderna como objeto de poder/saber. Portanto, a infância moderna é produto e efeito da disciplina, com sua subjetividade fabricada pela docilidade e utilidade inscrita em seu corpo. A escola, enquanto instituição disciplinar, tem a função de produzir ‘uma individualidade que corresponda às expectativas de uma acumulação e gestão útil’ (Fonseca, 1995, p,.75). Esta escola deverá impor o que será conhecido e aprendido, estabelecerá parâmetros sobre o que cada sujeito deverá perguntar, organizar, produzir, pesquisar, fazer e compreender e isto tudo será feito através de uma minuciosa e constante vigilância efetivada por meio das microssanções e exames (DORNELLES, 2005, p. 54).
Este trabalho me permite concluir, ainda que provisoriamente que existem hoje, as microssanções impostas às crianças na Escola de Educação Infantil e estas pretendem uma gestão útil e dócil de seus corpos. Enquanto por um lado, busca-se dar maior liberdade para os pequenos com o objetivo de educar sujeitos autônomos, críticos e pensantes, por outro, deixam-se de lado questões importantes para o desenvolvimento da criança como lidar com limites e frustrações da negação. Vivemos em tempos de crise, pode-se tudo ou pode-se nada.
Instigo-me a pensar que disciplina, em latim, significa “ensinar”, e não castigar. Ensinar uma criança a conviver com o próximo e respeitar os outros deve ser o nosso objetivo. Ao contrário do que se pensa, as crianças nesta sociedade ocidental que vivemos aceitam nossos modos de disciplinamento, mas é preciso enfatizar dois fatores fundamentais na prática da disciplina: firmeza e carinho. A criança se sente segura quando conhece as regras e as conseqüências de seus atos. A criança que conhece limites pode brincar e explorar o ambiente ao seu redor com tranqüilidade. Pensar o trabalho de construção da disciplina na Educação Infantil é possibilitar à criança o exercício da autonomia para se expressar, e de sensibilidade e respeito ao outro para acolher diferentes opiniões e sentimentos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

BUJES, Maria Isabel E. Escola Infantil: Pra que te quero? In: CRAIDY, Carmem; KAERCHER, Gládis E. Educação Infantil: Pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001.

DORNELLES, Leni Vieira. Infâncias que nos Escapam: da criança na rua à criança cyber. Petrópolis: Vozes, 2005.

EBY, Frederick. Rosseau: O Copérnico da Civilização Moderna. In: História da Educação Moderna. Porto Alegre: Globo, 1962.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1984.

KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 1996.

XAVIER, Maria Luisa. Disciplina na Escola. Porto Alegre: Mediação, 2002.

______. Os incluídos na escola: o disciplinamento nos processos emancipatórios. Porto Alegre: UFRGS, 2003.