A construção de conhecimento, de acordo com Piaget, pode ser explicada pelo desenvolvimento. Para se conhecer um objeto ou uma situação é necessário agir sobre este, modificando-o, compreendendo o processo dessa transformação. Essa operação, que consiste em um grupo de ações que possibilitam ao sujeito alcançar as estruturas da transformação, permite a construção de estruturas que constituem a base do conhecimento. Por isso, é de extrema importância compreender sua formação e organização.

Essas estruturas apresentam estádios de desenvolvimento. Ao que se refere ao desenvolvimento da inteligência, Piaget definiu quatro estágios, os quais são, necessariamente, sequenciais, mas nem todos os indivíduos podem chegar até o último. No primeiro estádio a atividade intelectual é de natureza sensorial e motora, em que a criança percebe o ambiente e age sobre ele. No segundo estádio se dá o desenvolvimento da linguagem e o aparecimento da função simbólica. Com o terceiro estádio tem-se o desenvolvimento do pensamento lógico sobre situações e objetos concretos, além da capacidade de classificação desses objetos e a compreensão de relações. Por fim, há o desenvolvimento da capacidade para construir sistemas e teorias abstratos, para formar e entender conceitos abstratos.

Piaget abordou a relação da afetividade com a inteligência no desenvolvimento mental da criança, defendendo que o afeto é essencial no funcionamento da inteligência, especialmente no que tange ao interesse, à necessidade e à motivação, porém não é a causa da formação das estruturas cognitivas. Tanto na obra “Inteligencia y afectividad” (2005), como em uma publicação em “Bulletin of the Menninger Clinic” (1962) – traduzida em 1997 -, o autor defende que há estádios da afetividade que correspondem exatamente aos estádios do desenvolvimento das estruturas, afirmando que há correspondência, mas não há sucessão.

No esforço de demonstrar tal paralelismo, pode-se acompanhar cada etapa do desenvolvimento, propostas por Piaget, a seguir:

a) Estádio sensório-motor (dividido em seis subestádios): desde o nascimento até por volta dos dois anos de idade, o bebê desenvolve a inteligência sensório-motora, caracterizada por ser essencialmente prática e por não haver, ainda, a função simbólica. Nas tentativas de obter êxito em suas ações, como pela busca de objetos afastados ou escondidos, o bebê constrói esquemas a partir das relações espaço, tempo e causalidade (DOLLE, 1987, PIAGET, 1997). A estrutura do objeto está relacionada com essas noções, as quais são geradas por interesse ou por sentimento pelo objeto externo.

Primeiro subestádio: é caracterizado pelo exercício reflexo. O bebê nasce com reflexos hereditários, porém na medida em que os coloca em prática, por exemplo, na primeira mamada, já está sofrendo a influência do meio e, por isso, precisa se adaptar. Os reflexos são exercitados na experiência e constituem comportamentos complexos do recém-nascido (DOLLE, 1987, PIAGET, 2005).

Segundo subestádio: nesta fase, entre o segundo e quinto mês, destacam-se os condicionamentos e as reações circulares, as quais consistem em exercícios funcionais, prolongando os exercícios reflexos. Estas reações dividem-se em primárias e secundárias, sendo, respectivamente, umas relacionadas ao próprio corpo e as outras aos objetos. O balbuciar e o agarrar, reações primárias, e balançar o móbile, primeiramente ao acaso e, depois, repetindo com outros objetos semelhantes, reações secundárias, produzem os primeiros costumes do bebê. A noção de objeto ainda não está formada, assim que o objeto sai do campo perceptivo, o bebê não o procura mais. Um exemplo é a coordenação entre a mão e a boca e a descoberta da sucção do polegar, que não é um reflexo hereditário, ocorre ao acaso (DOLLE, 1987, PIAGET, 2005). A afetividade está voltada a si mesmo, o bebê distingue sentimentos de prazer, dor, agrado e desagrado, denominados de afetos perceptivos na teoria piagetiana.

Terceiro subestádio: inicia por volta dos seis meses e dura até os dois anos, em média. No plano cognitivo, pode-se dizer que se iniciam os atos inteligentes, como a diferenciação dos meios e dos fins. No plano afetivo, há uma coordenação e regulação de interesses, de forma que uns são mais valorizados que outros, possibilitando, assim, o início de uma hierarquização dos valores, voltados às ações no presente e ainda instáveis, pois não há representação. O princípio da descentração e da diferenciação de si e do meio externo permitem um começo de investimento afetivo no outro, proporcionando as primeiras formas de sentimentos interindividuais, dentre os quais, Piaget salienta o começo dos sentimentos morais (PIAGET, 2005).

b) Estádio pré-operatório: nesta etapa (mais ou menos dos 2 aos 7 anos), cognitivamente, a criança já possui a função simbólica e a capacidade de representação, possibilitando, com isso, uma certa socialização do pensamento. Porém, ainda não desenvolveu a capacidade de conservação, porque não opera. Piaget indica o aparecimento de afetos representativos, interindividuais e relacionados a valores virtuais, que subsistem fora do campo perceptivo, graças à representação e à linguagem, que promovem maior estabilidade e duração dos sentimentos em relação ao estádio anterior. Não se pode, ainda, falar em sentimentos normativos, mas pode-se verificar uma moral heterônoma, com base no respeito unilateral, direcionado à autoridade, e uma reciprocidade entre pares no que tange às atitudes (PIAGET, 2005).

c) Estádio operatório-concreto: é atingido por volta dos 7-8 anos e é superado aproximadamente entre 11-12 anos. Tem como principal advento intelectual a ação interiorizada, que é a própria operação. Esta pressupõe a reversibilidade, ou seja, o inverso da ação/operação. A possibilidade de conservação no campo da inteligência implica, no campo afetivo, a conservação de sentimentos mais complexos que os do estádio precedente, em especial, dos sentimentos morais. Nesta fase, constrói-se a moral da reciprocidade, constituinte da moralidade autônoma, através das trocas entre pares e do respeito mútuo, especialmente observados em situações de jogos de regras, como bem demonstrou Piaget em “O juízo moral na criança” (1994). O autor afirma que “neste nível o melhor exemplo de um sentimento moral baseado na reciprocidade é o senso de justiça entre as crianças de mesma idade, entre colegas; este senso é independente das ordens ou instruções dos adultos” (PIAGET, 1997, p. 4).

d) Estádio das operações formais: inicia em torno dos 11-12 anos e tende a equilibrar-se aos 14-15 anos. Cognitivamente, o sujeito adquire a capacidade de pensar sobre hipóteses e proposições. No plano afetivo, o sujeito vivencia sentimentos não somente em relação a pessoas particulares ou a realidades materiais, mas também a sentimentos e ideais voltados a realidades sociais, como a solidariedade e o respeito pelo país, por exemplo. O jovem investe em um posicionamento profissional, bem como no grupo de pares. Interessa-se pelas questões de justiça, regras, discutindo-as; assim como pelas ideologias sociais, política e religião, por exemplo. Passa a considerar as pessoas, também, valor pelos ideais que representam (PIAGET, 1997; 2005).

Ao longo dessas etapas, Piaget (2005) mostra que a afetividade e a inteligência se desenvolvem em função da progressiva organização dos comportamentos, e não uma pela outra, ou seja, a afetividade não modifica as estruturas cognitivas, mas evolui paralelamente ao intelecto.